Crise na educação do Pará leva à saída de Rossieli Soares após revogação de polêmica lei

A saída de Rossieli Soares do comando da Secretaria de Educação do Pará marca o desfecho de uma das mais conturbadas gestões da pasta nos últimos anos. Nomeado pelo governador Helder Barbalho, o ex-ministro da Educação enfrentou resistência intensa após a implementação da Lei 10820/2024, que alterou profundamente o modelo de ensino nas comunidades tradicionais. A medida foi apontada como excludente por não considerar as especificidades das populações indígenas, quilombolas e rurais. A renúncia, anunciada nas redes sociais, foi justificada com discurso de gratidão, mas ocorreu em meio à instabilidade causada por protestos massivos e questionamentos judiciais.
Rossieli Soares viu sua permanência no cargo ruir após o desgaste gerado pela substituição dos modelos SOME e SOMEI, que garantiam ensino presencial em áreas remotas, por um sistema de aulas a distância transmitidas por TV e internet. Críticos da decisão afirmaram que a nova legislação não levou em conta a realidade de muitas comunidades, que carecem de energia elétrica e acesso à internet. O impacto foi imediato, com forte mobilização de lideranças indígenas e populares, que consideraram a medida um retrocesso na luta pelo direito à educação inclusiva e de qualidade.
A crise explodiu em janeiro de 2025, quando mais de 300 indígenas de 22 etnias, acompanhados por quilombolas e representantes de movimentos sociais, ocuparam por 30 dias a sede da Secretaria de Educação do Pará. A ocupação chamou atenção nacional e internacional, tornando-se símbolo da resistência contra a exclusão digital e o desmonte de políticas educacionais específicas. A repercussão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio de uma ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que alegou inconstitucionalidade na nova lei.
Durante os protestos, Rossieli Soares manteve uma postura de silêncio institucional, enquanto o governador Helder Barbalho se reuniu com representantes indígenas e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, em busca de uma solução. Apesar do encontro, o impasse permaneceu até que a Assembleia Legislativa do Pará, diante da pressão popular e da greve dos profissionais da educação, decidiu revogar a Lei 10820/2024. O fim da ocupação da Seduc só ocorreu após a publicação oficial da revogação no Diário Oficial do Estado.
A gestão de Rossieli Soares foi marcada por altos e baixos. Antes da polêmica, ele promoveu a expansão do ensino integral e lançou o Centro de Mídias da Educação Paraense, buscando modernizar o sistema educacional do estado. No entanto, a tentativa de substituir o ensino presencial em comunidades vulneráveis por um modelo remoto desconsiderou aspectos básicos de infraestrutura e resultou em uma perda significativa de apoio político e social. Mesmo com sua experiência como ministro e secretário em outros estados, o desgaste foi irreversível.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará teve papel decisivo na crise. A categoria iniciou uma greve em janeiro, ampliando a pressão sobre o governo. Educadores criticaram a ausência de diálogo e destacaram que o projeto de ensino remoto não passava de um corte de gastos disfarçado de inovação. A mobilização sindical e popular, aliada ao apoio de personalidades como Anitta, Dira Paes e Alok, ajudou a jogar luz sobre a urgência da revogação e a necessidade de reconstrução das políticas educacionais voltadas às comunidades tradicionais.
A saída de Rossieli Soares da Secretaria de Educação do Pará deixa um vácuo de liderança e abre um novo capítulo na política educacional do estado. O governo ainda não anunciou quem assumirá o comando da Seduc, o que gera expectativa entre os educadores e as comunidades afetadas. Diante do cenário de desgaste, o desafio do próximo gestor será reconstruir a confiança, promover diálogo com os movimentos sociais e garantir que a educação seja inclusiva, democrática e alinhada com a realidade paraense.
Com a revogação da Lei 10820/2024, o Pará retoma a obrigatoriedade do ensino presencial para comunidades indígenas, quilombolas e rurais. A medida foi comemorada como uma vitória histórica, mas ainda restam dúvidas sobre a implementação de políticas públicas sustentáveis e eficazes. O caso deixou claro que decisões sem consulta e sem escuta ativa da população podem gerar rupturas institucionais e sociais de grande impacto, especialmente em temas tão sensíveis como a educação.
Rossieli Soares, ao deixar o cargo, reafirmou seu compromisso com a educação brasileira. No entanto, sua passagem pelo Pará será lembrada como um exemplo das dificuldades de se aplicar modelos genéricos a realidades específicas. A crise escancarou a urgência de políticas educacionais que respeitem a diversidade cultural e geográfica do Brasil, colocando o protagonismo das comunidades no centro das decisões. A educação no Pará, a partir de agora, seguirá seu caminho com lições duras e uma nova perspectiva de reconstrução.
Autor: Anthony Harris