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Networking é ferramenta para preservar carreira de profissionais que são mães

Diante da maternidade, a renúncia a sonhos, projetos, prazeres, carreira e até à própria identidade ainda é um gesto visto como natural e esperado. Afinal, é como se, ao se tornar mãe, em um passe de mágica, a mulher alcançasse a plenitude e, por isso, não faria sentido que ela ainda buscasse por outras formas de realização. Hoje, contudo, esse papel de mãe tão rígido, limitante e nocivo vem sendo cada vez mais questionado. Entre os efeitos danosos dessa lógica, a ginecologista-obstetra Quesia Villamil cita a frustração ante a realidade do maternar. 

“Não me esqueço de uma paciente que, durante o atendimento de rotina, chorava muito. Ela chorou durante todo a consulta, dizia estar frustrada e se sentia péssima, admitia se sentir assustada pela realidade, que, antes, ela tanto idealizou”, relembra a profissional, que não se surpreendeu ao identificar que aquela mulher se percebia reduzida a apenas uma fração de si – a de mãe –, como se outras dimensões da própria identidade tivessem sido apagadas. “E, por se ver assim, ela, cujo filho tinha 1 ano e 7 meses de idade no dia da consulta, deixava de experimentar outras diversas formas de obter o sentimento de realização e de prazer”, situa. “Por exemplo, quando perguntei sobre os métodos contraceptivos que usava com o marido, ela desabou e, aos prantos, disse que havia transado apenas duas vezes desde o nascimento do bebê”, comenta.

Quesia conta que, nos atendimentos, busca ajudar suas pacientes a entender que elas têm suas próprias singularidades e que não é um ato de egoísmo estarem atentas às suas demandas e perseguirem sonhos.

Em relação à carreira profissional, a replicação dessa ideia de maternidade – que sugere a renúncia de outros sonhos e projetos – também gera consequências nefastas, como o preconceito contra as profissionais que se tornam mães. Não por acaso, segundo um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), de 2017, 46% das brasileiras se veem desempregadas ainda no primeiro ano depois do parto. Curiosamente, enquanto elas são profissionalmente punidas por terem filhos, outras pesquisas mostram que os homens, ao se tornarem pais, costumam ser recompensados com aumentos salariais e promoções. Foi o que indicou um levantamento feito nos Estados Unidos, em 2018, que revelou que, após o nascimento de uma criança, a diferença salarial entre cônjuges, em relações heterossexuais, chega a dobrar. 

Contra essa realidade, se proliferam diversas iniciativas, seja no campo da política institucional ou em outras frentes. E é nessa trincheira que Brunna Duarte se vê implicada em lutar. Uma das fundadoras do Do It Girls Club (DIG Club), comunidade de networking e conteúdo voltado para empreendedoras e executivas, ela vem, ao longo dos últimos três anos, atuando junto a outras mulheres que não desejam abrir mão da carreira por serem mães. 

“Para algumas pessoas, apegadas a estereótipos de um maternar romantizado, é difícil ouvir que nossos filhos não nos bastam e que temos outras ambições”, reconhece a profissional do marketing, pontuando que o debate é a primeira das frentes de batalha contra o preconceito das profissionais que são mães. “É um assunto que já está em debate, mas que ainda precisa ser muito debatido”, comenta, dizendo acreditar que as novas gerações estejam mais prontas a trabalhar com a ideia de que a mãe pode ser presente e amorosa sem abdicar de outras frentes de sua vida.

O networking como estratégia

Brunna Duarte reconhece que muito ainda precisa ser feito para que o mercado de trabalho se torne mais acolhedor às profissionais que são mães. Para começar, vale lembrar que a licença-maternidade, possui duração legal de apenas quatro meses, período insuficiente para a manutenção do aleitamento materno, conforme sugerem a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomendam iniciar a amamentação nos primeiros 60 minutos de vida e mantê-la como forma exclusiva de alimentação até os 6 meses de idade e, de maneira complementar, até os 2 anos. Ainda sobre o tema, também é apontado como problemático que, no Brasil, a licença-paternidade seja restrita a até 20 dias – algo que contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero, tanto no que diz respeito aos cuidados dos filhos e da casa quanto em relação à ocupação de cargos de chefia e aos ganhos salariais.

Há diversos outros exemplos de como, estrutural e institucionalmente, o mercado se mostra hostil à maternidade. E tudo fica ainda mais complicado quando a mulher aceita esse papel daquele que, em nome dos filhos, renuncia a tudo. “Culturalmente, já temos que lidar com a sensação de que somos culpadas por qualquer falha na criação de uma criança, que temos total responsabilidade sobre ela. Isso muda se percebemos que podemos dividir responsabilidades com redes de apoio – sejam domésticas, no caso do apoio de familiares e amigos, ou institucionais, no caso de creches, por exemplo”, sustenta, lembrando que o pai também deve ser cobrado a desempenhar o papel de cuidador.

“Se o filho é de ambos, se os dois possuem uma carreira, por que cabe apenas à mãe abdicar de seu tempo de trabalho para cuidar da família?”, questiona, salientando ser importante dividir, inclusive, a carga mental. “Muitas vezes, as mães precisam planejar o dia delas e também dos filhos, sabendo todos os horários e compromissos. É importante, inclusive para ser melhor mãe e melhor profissional, que ela se desapegue de ser essa ‘Mulher Maravilha’, que dá conta de tudo o tempo todo, e divida essas tarefas e responsabilidades”, argumenta.

E, para além das redes de apoio – “indispensáveis para que a mulher consiga trabalhar e ser mãe ao mesmo tempo” –, Brunna argumenta que cultivar um bom networking é também essencial para que a carreira não seja sacrificada ou, no mínimo, não fique estagnada. “É algo importante até pelo exemplo: se essa profissional convive com outras que seguiram com suas trajetórias mesmo depois da maternidade, ela vai assimilar, pelo poder dessas histórias, que é possível conciliar as duas coisas”, situa. “Em nossa comunidade, dizemos que aquele é um ambiente em que, com o contato com outras mulheres, elas podem aprender e adquirir mais autoconfiança”, diz, fazendo referência ao DI Club.

“Outra vantagem de cultivar essa rede de contatos é que, ao estar em meio a outros profissionais, vamos estar sempre nos atualizando e fazendo novas conexões, que podem ser a chave para uma guinada na carreira”, acrescenta.

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